GARAUDY - Vidas que levam apenas à morte
O
filósofo francês, ex-integrante do Partido Comunista da França, Roger
Garaudy, autor de mais de 50 livros, uma grande parte dessa produção
sobre a filosofia política e marxismo, deu como título de uma de suas
obras Il est encore temps de vivre ("Ainda é tempo de viver"),
esta, escrita em cooperação com Pierre-Luc Seguillon (Paris: Editions
Stock, 1980); no Brasil, o livro foi publicado em 1981, com tradução de
Aulyde Soares Rodrigues, pela Editora Nova Fronteira.
O título da obra, Ainda é
tempo de viver, não antecipa, como o leitor poderia pensar, tão-somente
uma mensagem de esperança e de otimismo, mas, antes de tudo, uma forte
crítica sobre ausência da fé pelos povos - não a fé pregada pelas
igrejas cristãs. E, essa é mesmo a intenção de Garaudy, que no início do
livro pergunta: “Existe um futuro para o homem?” E, após, convida o
leitor para, com ele, ler um pequeno artigo de jornal, sobre um homem
que morreu dilacerado por um trem do metrô, logo acrescentando: “Um
homem livre, entre homens livres, foi dilacerado por essa liberdade”.
Mais adiante, Garaudy
diz o motivo que o levou a contar essa história: “Porque ela nos conduz
ao problema central. Não apenas ao problema de viver, mas ao problema
central do nosso tempo: as vidas sem objetivo. Vidas que levam apenas à
morte”. Após essa afirmação, indaga o que se deve fazer para mudar isso;
e afirma que pelo menos quinze mil suicídios são cometidos na França,
por ano – ‘quase tanto como o número de mortes nas estradas’ -; e que as
tentativas de suicídios ficam em torno de cem mil – ‘muito menos do que
o número de inválidos por desastres de carro ou de moto’ -; e que, por
alcoolismo, morrem quarenta mil pessoas, bem menos que as mortes pelo
fumo, que atingem vinte mil; e menciona que morrem menos pelas drogas –
‘Falo das drogas que não o álcool, o fumo ou o automóvel’.
É evidente que esses
dados estatísticos não valem para os dias atuais, para este início do
ano 2009, bem distante desses levantamentos mencionados por Garaudy, na
França de 1980. E, se esses números de suicídios e das suas tentativas
de suicídio, das mortes nas estradas por acidentes de carro e das mortes
pelo vício do álcool e do fumo são demasiadamente elevados, o que
poderíamos dizer sobre uma estatística francesa atualizada, cujos
números devem ter aumentado em razão da taxa populacional, aumento
astronômico do número de veículos rodando pelas ruas e estradas, além do
aumento do número de alcoólatras, fumantes, etc. O mesmo vale para o
Brasil e para as principais metrópoles do mundo.
Garaudy pergunta, depois de dizer que a metade das neuroses é
provocada pelo ruído, que oitenta por cento por câncer ambiental, e,
ainda, as doenças cardíacas, em conseqüência da vida agitada que se
leva. Depois se pergunta se tudo isso faz sentido. E mais: ‘Nossa vida
quotidiana significa alguma coisa? Quem é o chefe da orquestra invisível
que rege essa cacofonia?” A resposta a essas perguntas de Garaudy, é
ele mesmo quem as dá: “O crescimento. Isto é, o domínio de toda a
sociedade por este modelo de organização de empresa, exatamente como foi
concebido na primeira metade do século XX, denunciada por Chaplin em Tempos modernos. Uma empresa cuja única finalidade é produzir seja lá o que for e fabricar o mais possível”.
Segue parte da crítica
ao crescimento, por Garaudy: “Minha crítica ao crescimento não tem fundo
'moral', nem mesmo ‘ecológico; é uma crítica feita em nome de um outro
modo de agir no mundo. A tese central do meu ‘Apelo aos vivos’ é a de
que o problema do crescimento não é apenas um problema econômico e
político, mas acima de tudo um problema de fé, uma vez que o crescimento
é o deus oculto de nossas sociedades e que a publicidade é sua liturgia
demente. Toda a minha argumentação baseia-se neste princípio: ‘podemos
viver de outro modo’. Saber que podemos nos livrar desse mergulho
suicida do atual modelo de crescimento é um ato de fé”.
Garaudy fala mais dessa
fé, para ele indispensável para que se possa viver melhor no mundo
conturbado de hoje, com todo o tipo de violência, como as que foram por
ele mencionadas, e que, por certo, deve fazer menção também ao
morticínio que nos dias atuais ocorre na Faixa de Gaza, entre judeus e
palestinos, com vítimas inocentes, como crianças, mulheres e velhos -
além dos combatentes -, que não tiveram nenhuma ingerência nas decisões
políticas tomadas pelos líderes responsáveis por essa barbárie:
“Em uma palavra, a fé é
a alma de toda a política que está à altura do homem, de toda a
política sem dogmatismo e sem dominação, desde que cada um aja com a
consciência de ser pessoalmente responsável pelo destino de todos os
outros”. E aduz o filósofo: “E essa fé pode ser a de um hindu, de um
judeu, de um cristão, de um mulçumano ou de um ateu”.
No capítulo “Do crescimento cego à fé no homem”, o primeiro de seu livro Ainda é tempo de viver,
já perto do final do texto, escreve Garaudy: “Toda a revolução profunda
nasce da conjunção da miséria e da revolta com a esperança e a fé. A
grande fraqueza das igrejas cristãs é o seu distanciamento dos
movimentos populares e a degradação da fé transformada em religião.
Dessa dupla mutilação, a revolução de um lado, e as Igrejas de outro,
decorre nossa incapacidade atual de operar as mutações necessárias à
nossa sobrevivência e à nossa vida”.