Renato Torres Anacleto Rosa
Mestrando
em História Comparada pela Universidade Federal do Rio de Janeiro, sob a
orientação do Prof. Dr. André Leonardo Chevitarese. Agência Financiadora: CAPES-Coordenação de
Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior.
Resumo: O presente artigo discorre sobre o diálogo de Dom
Helder Câmara, arcebispo de Olinda e Recife entre 1964 e 1985, com a doutrina
marxista durante os anos do regime militar brasileiro. Para atingir esse
escopo, utilizamos os discursos do arcebispo frente ao Marxismo, enfatizando a
relação profícua entre o mesmo com o dirigente do Comitê Central do Partido
Comunista Francês, Roger Garaudy. Por fim, ressaltamos que as práticas
discursivas de Dom Helder frente ao Marxismo contemplavam suas concepções da
realidade, que veiculavam projetos de justiça social e de desenvolvimento
humano.
Palavras-chave: Marxismo- Dom Helder Câmara- Roger Garaudy- Regime
militar brasileiro- Concílio Vaticano II.
Abstract: This article aims to discuss the dialog between Dom
Helder Câmara, bishop of Olinda and Recife, with Marxism on the period of the
brasilian civil-militar regime. We utilized bishop´s speeches about Marxism and
aspects of the relationship between Dom Helder and Roger Garaudy, member of the
Central Commite of French Communist Party. At last, it was emphasized the Dom
Helder Câmara´s speeches about Marxism douctrine, showing his conceptions of
the reality relationed to the social justice and human development.
Key-words: Marxism- Bispo Helder Câmara- Roger Garaudy- Militar
Regime- Vatican II Council. RJHR VI:10 (2013) – Renato Tores Anacleto Rosa 34
INTRODUÇÃO:
Dom Helder Câmara é um dos personagens de maior realce da História do
Brasil contemporâneo. Seu nome é
reconhecido nacional e internacionalmente pelos projetos de desenvolvimento
humano realizados no nordeste brasileiro, nos anos do regime militar
brasileiro, entre 1964 e 1985.
O contexto que subjaz a esse
diálogo coincide com a renovação irrompida no seio da Igreja Católica, à luz
dos eventos do Concílio Vaticano II, entre 1962 e 1965, e da Teologia da
Libertação, a partir da década de 1960, em solo latino-americano.
Nas palavras de Maurílio de
Oliveira José Camello, o concílio “abriu as janelas da Igreja, desarrumando
papéis e idéias. Houve importantes alterações nas relações intra-eclesiais e da
Igreja com o mundo”. (CAMELLO, 1997: P. 75). Em contexto latino-americano, a
aproximação entre cristãos e marxistas se deu na década de 1960 com a Teologia
da Libertação, que, analisando as estruturas concretas da sociedade, clérigos,
operários, mulheres e leigos buscavam responder às práticas que subjugavam o
homem e a sociedade (LOWY, 1986: P. 65).
À luz desse panorama, o artigo
se desdobrará a partir dos seguintes temas: (I) os discursos de Dom Helder
Câmara e Roger Garaudy no qual se referem ao diálogo entre os mesmos; (ll) a
representação de Dom Helder Câmara frente ao “neomarxismo”; e (lll) a relação
do arcebispo com o marxismo como forma de crítica o cristianismo. Para atingir
esses fins, foram utilizadas reportagens de jornais e literaturas que versaram
sobre o relacionamento de Dom Helder Câmara com o marxismo, levando em
consideração o exame das práticas discursivas do arcebispo.RJHR VI:10 (2013) –
Renato Tores Anacleto Rosa 35
1. A amizade entre Dom
Helder Câmara e Roger Garaudy.
“Os prelados da nova Igreja tem
como mestre o comunista francês Roger Garaudy, cujos sofismas são
religiosamente endossados e divulgados por Dom Helder Câmara e que concentra
sobre si toda a admiração de Dom Jorge Marcos” (JORNAL DA TARDE, 1968: P. 4). É
com essas linhas que o “Jornal da Tarde”, de 1968, critica a relação entre Dom
Helder Câmara e Roger Garaudy.
Roger Garaudy foi um
intelectual francês, nascido em Marseille, escritor de livros que versaram
sobre literatura, religião, filosofia e ciência. Doutorou-se em Letras e em
Filosofia. Atuou na Resistência, foi preso e deportado para o sul da Argélia
por três anos.
Além da carreira intelectual, Garaudy foi membro do Comitê Central do
Partido Comunista Francês, tendo rompido com o mesmo em 1970. No momento de sua
saída, afirmou: “A União Soviética não é um país socialista” (ROCHA, 1999: P.
29). O filósofo francês, na opinião de Maria Conceição Pinto de Góes, “foi um
dos mais influentes defensores de uma aproximação entre cristãos e marxistas”
(GÓES, 1999: P. 16).
O referido diálogo, conforme Garaudy, “não se desenvolve sem
inquietações, resistências e cóleras. Ele
exige que tanto cristãos e marxistas estejam sensíveis às renovações que
precisam fazer dentro de suas doutrinas” (GARAUDY, 1969: P. 13)
No lado marxista, exige que a
religião não deve ser concebida como “ópio do povo”. Esse novo marxismo
pressupõe a superação da tendência economicista e, nos regimes socialistas, de
uma “metafísica” do Estado, para admitir uma autonomia das superestruturas
(PORTELLI, 2002: P. 13).
No lado cristão há de se
considerar o movimento iniciado com o Concílio Vaticano II, que nas palavras de
Maria Conceição Pinto de Góes, “foi um divisor de águas na Igreja Católica,
fazendo com que a Igreja mexesse nas obras do Criador e se aproximasse do
mundo” (GÓES, 1999: P. 17).
O encontro de Dom Helder Câmara
com Garaudy ocorreu em maio de 1967, no pós-Concílio Vaticano II, num simpósio
alusivo à comemoração da encíclica papal “Pacem in Terris” (Paz na Terra), de
1963, do sumo pontífice João XXIII. Naquele momento, o arcebispo procurou
Garaudy e propôs o seguinte pacto: “Não é verdade que exista um vínculo
necessário entre religião e alienação. Faça-o compreender a seus amigos
comunistas. De minha parte eu me comprometo a fazer o possível para obter da
Igreja que ela aceite o socialismo” (PILETTI e PRAXEDES, 1997: P. 411).
Em sua trajetória intelectual e
política, Roger Garaudy sempre questionou os paradigmas dogmáticos: ora
religiosos, ora políticos. Prova disso foi a sua saída da RJHR VI:10 (2013) –
Renato Tores Anacleto Rosa 36
direção
do Partido Comunista, como fora formado, em 1970 e sua proposta de dialogar com
um representante de uma doutrina que sempre foi concebida como antítese ao do
pensamento marxista.
Nessa linha de raciocínio é
importante trazer a lume um depoimento de Garaudy frente a Dom Helder Câmara,
em 1970:
“Tenho em Dom Helder um
irmão radical. Há anos percorremos o mesmo caminho, assim como o abade Pierre.
E cada um de nós tem visões muito diferentes, mas coincidimos no essencial. No
momento sou muçulmano, mas mesmo assim fui convidado em Madri para fazer uma
longa meditação para 540 religiosas e 90 teólogos católicos sobre a descoberta
de Deus, a procura de Deus, a busca de Deus. Dom Helder Câmara deveria estar
lá, pois tanto quanto eu é movido pela esperança. O meu encontro com ele é o
encontro de uma vida. Especialmente agora quando me convenço de que é
preciso passar da filosofia do ser para a filosofia do ato. Precisamos
transformar o mundo” (PILETTI e PRAXEDES, 1997: P. 401).
Essas linhas demonstram o postulado de que o relacionamento de Dom
Helder e Garaudy ultrapassava a questão da afetividade e se ancorava numa
relação de ideias e pensamentos, cujos objetivos eram de transformar o mundo. É
necessário destacar que o contexto brasileiro subjacente a esse diálogo é do
regime militar, onde a aproximação de um bispo com um representante marxista
mundial era vista como perigosa e, para os representantes do governo,
“paradoxal”.
O Golpe civil-militar brasileiro foi justificado como a solução de
afastamento do comunismo em defesa da lei e da ordem. À época do regime,
inúmeros jornais, como “O Estado de S. Paulo”, além do “Instituto de Pesquisa e
Estudos Sociais”- IPES e da Conferência Nacional dos Bispos do Brasil-CNBB,
teceram louvores ao Golpe recém-instaurado. Nesse sentido, o “comunismo”,
juntamente com a doutrina que inspiraria esse movimento, o marxismo, seria alvo
de críticas e resistências.
Dezembro de 1968: momento capital para os rumos do regime militar
brasileiro. O Ato Institucional n. 5, caracterizado como o “Golpe dentro do
golpe” (FICO, 2001, P. 13) aboliu o habeas corpus, fechou o congresso e
deu supremos poderes ao Executivo cabendo a ele a intervenção no Legislativo e
no Judiciário. Kenneth Serbin afirma que: “Um cientista político que visitava o
Brasil observou que o AI-5 provia as Forças Armadas brasileiras de mais poderes
do que Mussolini havia reunido na Itália Fascista” (SERBIN, 2001, P. 56).
Em 1969, após a edição do Ato Institucional n. 5, padres, freiras e
agentes da pastoral foram presos, torturados e exilados e até assassinados. “A
primeira morte, a mais chocante, foi o brutal assassinato do padre Henrique
Pereira Neto no RJHR VI:10 (2013) – Renato Tores Anacleto Rosa 37
Recife,
pelo “Caça de Comando aos Comunistas”- CCC. O verdadeiro alvo da ação era Dom
Helder Câmara” (SERBIN, 1997: P. 17).
Nota-se, por conseguinte, que a
conjuntura não era favorável a um diálogo entre um cristão e um marxista
preocupados em transformar a realidade. Segundo Dom Helder, “a colaboração
entre marxistas e cristãos se traduz em trabalhar juntos por um mundo de maior
justiça, sem que isto imponha aos cristãos a filosofia materialista que está na
base do marxismo, e se os marxistas respeitam nossas convicções, considero
perfeitamente possível um trabalho em comum”. (FERRARINI, 1992: P. 239).
Na edição de maio de 1978, o
jornal “Pasquim” publica uma densa entrevista com Roger Garaudy, intitulada “O
Novo Cristão”. Na entrevista o filósofo francês aborda temas como cultura,
filosofia, ciência e, principalmente, religião. É interessante observar o que
está escrito na capa do jornal: “Entrevista pasquiniana com Garaudy: todo
cristão deve ler!” (PASQUIM, 1978: P. 1)
Dentro da problemática da
religião, Garaudy não deixa de mencionar o arcebispo de Olinda e Recife.
Indagado por Ziraldo sobre a natureza da relação entre os dois, Garaudy
responde que os pensamentos deles eram muito convergentes e que, além disso,
lera todos os livros do arcebispo publicados em francês. (PASQUIM, 1978: p. 30)
No tocante às suas práticas
discursivas, o arcebispo de Olinda e Recife se serviu de sua fala para
representar a realidade e, consequentemente, representar o marxismo. Vejamos
qual concepção do marxismo Dom Helder Câmara se propôs a dialogar.
2. DOM HELDER CÂMARA E O
“NEOMARXISMO”.
O marxismo, como doutrina
filosófica que objetiva compreender a totalidade do real, não está ancorado
numa concepção hermética e homogênea. Em noutros termos, há marxismos e não
marxismo. Nessa perspectiva o marxismo que Dom Helder se propôs a dialogar foi o
marxismo caracterizado, grosso modo, pela ruptura da doutrina clássica,
à luz da hermenêutica gramsciana, que limitou as dicotomias entre estrutura e
superestrutura e a questão do economicismo, colocando em relevo a questão da
subjetividade (PORTELLI, 2002: p. 14).
Dom Helder concebeu esse de
tipo marxismo como “neomarxismo”. Em grande parte de seus discursos o arcebispo
enfatiza que só é possível dialogar com esse novo marxismo.
No limiar do século XX a
doutrina marxista foi ganhando novos problemas, novas interpretações. O
marxista que “revolucionou” essa doutrina foi o pensador RJHR VI:10 (2013) –
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italiano
Antonio Gramsci. Os escritos de Gramsci, principalmente os cadernos de cárcere,
são compostos de temas variados, principalmente os que aludem à
“superestrutura”, como religião, arte e cultura. Cabe ressaltar que Gramsci não
negligenciou as temáticas tradicionais da política e da economia, mas as pensou
a partir desses temas análogos à subjetividade.
Voltando à questão dos
discursos de Dom Helder, o tema do “neomarxismo” foi axial para o
estabelecimento de um diálogo com essa doutrina.
Em 1972, o jornal “Politika”
publicaria uma reportagem com o arcebispo quando o Departamento de Ordem e
Política Social (DOPS) proibiu sua publicação, destruindo os exemplares já
impressos. Em 1979 o jornal “Amigo do Povo” trouxe à tona parte da entrevista.
Indagado sobre o papel do marxismo na atual conjuntura, Dom Helder responde ao
“Politika”:
Apenas lembraria que hoje, entre
os marxistas, existe o neomarxismo. Penso, pelo menos, em homens como Roger
Garaudy”. Dom Helder dá prosseguimento à sua argumentação: “Os marxistas que
caminham para o neomarxismo, para uma revisão do marxismo, em vez de ficarem
repetindo o que Marx disse, o que Marx pensou, procura agir, agora de acordo
com a realidade que aí está (AMIGOS DO POVO, 1979: P. 13)
Essas letras ilustram a
concepção que o arcebispo tinha da doutrina marxista. É claro notar que Dom
Helder é resistente a qualquer dogmatismo que, no caso do marxismo, sacraliza
Karl Marx, não vendo limitações em seus pensamentos. Destarte, Roger Garaudy tem
um destaque especial nessa fala, pois é considerado o principal representante
da renovação doutrinária que o pensamento marxista sofreu.
É importante salientar a
informação de que essa entrevista foi destruída por parte do governo. Vejamos a
razão dessa destruição.
Em 1970, o arcebispo foi
convidado para realizar um discurso em Paris, com a finalidade de colocar em
evidência a questão da conjuntura política brasileira. Segurando uma rosa
vermelha que recebera na entrada, Dom Helder iniciou a palestra ressaltando o
tema da mesma: “Quaisquer que sejam as consequências.” Nela, o arcebispo relata
dois casos de tortura que acabara de irromper no Brasil, afirmando que os
“exemplos dados não eram casos isolados, antes eram a regra no que concerne aos
presos políticos”. (PILETTI e PRAXEDES, 1997: p. 379)
Após esse discurso em Paris,
Dom Helder Câmara foi silenciado pela mídia brasileira, tendo seu nome vetado
entre 1970 e 1977. Durante esses anos de RJHR VI:10 (2013) – Renato Tores
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silêncio
seus discursos no Brasil resumiram-se, então, a rádio local de Olinda e às
entrevistas dadas em solo estrangeiro.
Em 1967 o arcebispo foi
paraninfo dos alunos da Faculdade de Teologia da Igreja Metodista, em São
Paulo. Em sua prédica, novamente vemos a importância que o religioso dá a
Garaudy e ao “neomarxismo”: “Se é verdade que Estados dominados pelo marxismo
ainda mantêm ateísmo militante e valorização suprema da matéria, filósofos
marxistas, como Roger Garaudy, que propõe a renovação do marxismo, tenta o
diálogo entre cristãos e marxistas” (EXPOSITOR CRISTÃO, 1968: P. 3).
Concluindo, faz-se necessário
reiterar a seguinte premissa: Dom Helder Câmara deixou claro que o diálogo dele
com o marxismo só poderia ocorrer com um marxismo que se despisse de seus dogmas
e que relativizasse os seus preconceitos frente ao cristianismo.
3. A VALORIZAÇÃO DO MARXISMO COMO CRÍTICA AO CRISTIANISMO.
Em sua trajetória na liderança da Igreja Católica brasileira, Dom Helder
Câmara sempre teve uma visão crítica frente à religião que estava inserido. Com
efeito, os discursos de Dom Helder não estavam amparados numa concepção
“mítica” e “triunfalista” do catolicismo.
No mesmo discurso proferido na Faculdade do Seminário metodista, em
1967, o arcebispo sublinha: “O diálogo convida a se imaginar o que
representaria para os marxistas descobrir uma religião que não tem nada de
alienada e alienante” (EXPOSITOR CRISTÃO, 1968: P.3).
Karl Marx, o filósofo alemão que desenvolveu o materialismo dialético e
histórico, conceituou a “religião” como “ópio para o povo” (MARX, 2000: P. 34).
Em outras palavras, Marx tecia críticas à religião cristã em virtude do
divórcio que ela tinha com a sociedade: para essa visão, o mundo utópico se
sobrepunha ao mundo sensível. Por conseguinte a expressão “ópio para o povo”
tornou-se aforismo transformando-se numa concepção clássica da interpretação
marxista sobre o fenômeno religioso (LOWY, 1996: P. 11).
No entanto, Michael Lowy, um
pesquisador francês da doutrina marxista, ressalta que no marxismo existem
novas formas de se conceituar a religião, evitando a forma cristalizada de
concebê-la como “ópio para povo”. Como exemplo, temos o caso de Friedrich
Engels que pesquisou sobre o cristianismo primitivo, relacionando-o com o
movimento operário inglês. Um outro exemplo relevante é o caso de Ernest Bloch,
que cunhou o termo “homologias estruturais” para enfatizar que existem ideários
comuns partilhados pelo marxismo e pelo cristianismo, a RJHR VI:10 (2013) –
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saber:
a importância da comunidade e a crença num reino futuro de igualdade social
(LOWY, 1996: P. 14-16).
Em 1970, no livro “Revolução
dentro da paz”, Dom Helder Câmara novamente expõe seu posicionamento frente ao
catolicismo: “Se Marx tivesse convivido com cristãos mais encarnados, de olhos
abertos para a realidade do próximo, menos presos e mais corajosos para exigir
estruturas mais humanas e justas, possivelmente teria chegado a outra ideia
sobre a religião”. (CÂMARA, 1968: P.10)
É claro notar a relativização
do arcebispo frente ao marxismo e, consequentemente, a sua valorização dessa
doutrina. Esse depoimento, pela forma objetiva de seu discurso, ganhou debate
na mídia impressa. No mesmo ano a Revista “O Cruzeiro” expõe essas letras na
edição do dia 22 de setembro de 1970, enfatizando os “elogios” que o arcebispo
de Olinda e Recife tecia ao marxismo. (O CRUZEIRO, 1970: P. 2).
Esse trecho do discurso nos
remete a uma consideração que Dom Helder fez a Louis-Joseph Lebret, quando do
lançamento do livro “Economia e Humanismo” de autoria do padre belga. Antes
dessa consideração, algumas informações sobre o padre. Conforme Michael Lowy,
os teólogos latino-americanos se influenciaram pelo pensamento do padre Lebret
(LOWY, 2004: P. 137). O mesmo, em seus artigos, chamou a atenção da Igreja e do
mundo ocidental para as questões do subdesenvolvimento e da necessidade de
solidariedade com os países pobres. Ademais, participou da redação de
documentos conciliares como o “Gaudium et Spes” e foi o inspirador da encíclica
“Populorum Progressio” (Desenvolvimento dos Povos), 1967, durante o pontificado
de Paulo VI.
Por conseguinte, Dom Helder
reitera: “Quem te condecorou em nome do Cristo foi Karl Marx, levado ao céu
pela crítica ao capital. E a incompreensão face à fé¿ A culpa foi dos cristãos
que encontrou em volta e lhe deram visão errada de Cristo e do cristianismo”
(PILETTI e PRAXEDES, 1997: P. 409).
“Que faria S. Tomás de Aquino
diante de Karl Marx” Esse foi o nome dado à palestra proferida por Dom Helder
em Chicago, Estados Unidos, em 1979. Nessa palestra o arcebispo aborda inúmeros
aspectos da doutrina marxista, dando veemência ao possível diálogo entre cristãos
e marxistas.
Após criticar o marxismo clássico, Dom Helder reitera: “Há verdades a
redescobrir e a valorizar no marxismo” (COMBLIN, PINHEIRO e PUTRICK, 1983: P.
156). Ele prossegue: “O que Marx sustenta
a propósito de Religião como força alienada e alienante, deveria valer como
alerta permanente para os fiéis de todas RJHR VI:10 (2013) – Renato Tores
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as
religiões e, evidentemente, também para nós cristãos” (COMBLIN, PINHEIRO e
PUTRICK, 1983: P.156).
À GUISA DE CONCLUSÃO
No limiar dos anos do regime
militar brasileiro, Dom Helder Câmara foi objeto de intenso debate em virtude
de seu projeto de justiça social que o fazia dialogar com personagens que não
professavam a fé cristã.
Esse artigo pretendeu
demonstrar que o “arcebispo vermelho”, assim chamado por grande parte da mídia
impressa (FERRARINI, 1983 : P. 15), se serviu do diálogo com o marxismo para
dar legitimidade a um projeto mais abrangente: um projeto de um mundo melhor!
Na palestra nos Estados Unidos, em 1974, Dom Helder cita um pensamento de
Garaudy: “fé e militância são irmãs”. (COMBLIN, PINHEIRO e PUTRICK, 1983: P.
156). Para Dom Helder Câmara essa premissa de Garaudy era fundamentada nas
iniciativas do Vaticano II e da Teologia da Libertação. Além da aproximação da
Igreja com o marxismo, esses acontecimentos deram um passo importante para a
reflexão sobre o pobre e as soluções políticas que a instituição iria propor
para esse problema. Nesse contexto, está a dialética entre mística cristã e
práxis política, onde a espiritualidade estaria na própria ação e não restrita
à contemplação do sagrado.
Nesse horizonte, cabe concluir
que o arcebispo de Olinda e Recife encontrou uma conjuntura eclesiástica
favorável ao seu compromisso em dialogar com o marxismo e com Roger Garaudy. É
notória a influência de Dom Helder Câmara nos livros e na vida do filósofo
francês, como diria este último: “O encontro com Dom Helder é o encontro de uma
vida” (GARAUDY, 1999: P. 29). RJHR VI:10 (2013) – Renato Tores Anacleto Rosa 42
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